O Brasil literário: História da literatura brasileira

Com a vida isolada que vivo, gosto de afastar os olhos de sobre a nossa arena política para ler em minha alma, reduzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do oceano — o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento — o coração com o entendimento — a ideia com a paixão — colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento da religião e da divindade, eis a Poesia — a Poesia grande e santa — a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.

O maior número de poesias de Gonçalves Dias são, com efeito, transbordamentos líricos propriamente ditos. Não são fingidos, porém marcados por uma inspiração verdadeira. Vê-se que o poeta se abismou na contemplação da natureza e que nos diz suas impressões. Como as poesias de Magalhães, elas são, no fundo, elegíacas, mas se distinguem destas últimas, em que o sentimento e o "pathos" ocupam aí lugar maior que a especulação e a reflexão. Gonçalves Dias também cantou o amor, suas alegrias e suas dores, e que ele mesmo sentiu em sua carne, mas sem a leveza de Anacreonte, sem a participação dos pastores da Arcádia, antes de maneira séria e ideal que com o fervor sensual dos meridionais (v. por exemplo uma poesia digna de Schiller, "Se se morre de amor"). Suas descrições das grandes cenas da natureza e de seus fenômenos nos mostram, ao contrário, uma concepção ideal unida ao colorido que só se encontra nos trópicos (por exemplo, o hino magnífico "A Tempestade", descrição