Viagem ao Brasil, 1865-1866

estava disposta a tudo e sabia as atribulações a que se expõe quem viaja pelo interior. Portanto, quando a dona da casa apareceu e ofereceu-me cordialmente um canto de seu quarto, agradeci-lhe da melhor forma possível. Era muito mais moça que o seu marido e ainda bastante bela, duma espécie de beleza oriental que bem condizia com a sua vestimenta. Trazia um penhoar de musselina vermelha que um longo uso não embelezara, mas cujas cores ainda tinham vida, e os seus longos cabelos negros caíam soltos pelos ombros. Ao cabo de uma hora e tanto, anunciou-se a ceia. Havíamos trazido para ela quase que toda a cidade, e, para ficarmos de acordo com os costumes da terra, convidamos toda a família para nela tomar parte conosco. O velho vendeiro completara a sua toalete vestindo uma espécie de manto de índio com grandes ramagens; assentou-se à mesa lançando sobre os frangos assados e o vinho Bordeaux um olhar de não pequena satisfação. A julgar pela aparência, deviam ser coisa rara naquela casa. O chão de terra da casinha, em que foi servida a ceia, estava molhado; o teto deixava escorrer água como uma espumadeira e as paredes rachadas eram apenas iluminadas pela luz esfumaçada de uma grosseira candeia de içar, de óleo tirado da cera da palmeira carnaúba. Ouvi de repente um grunhido abafado ao pé de mim, olhei para o chão e distingui no escuro um porco preto que comia familiarmente numa mesa vizinha junto com as crianças. Um gato e um cachorro completavam o número dos convivas.

Acabada a ceia, pedi para me levarem ao quarto de dormir, preferindo tomar a dianteira dos meus companheiros da noite; era uma peça pequenina, duma dezena de pés quadrados, por trás daquela em que fôramos recebidos e sem a mais pequena janela. Esse pormenor é de pouca importância aqui, onde os tetos têm aberturas suficientes para que o ar circule em abundância.