milagres, nem continuada com maiores favores do céu, que a dos filhos de Israel quando sairam do cativeiro de Pharaó; e porque foram ingratos a estes benefícios divinos, só dois homens, de tantos mil, entraram na terra de promissão. Eis aqui como não há razões humanas, nem ainda divinas, em que possamos fundar seguramente a esperança de uma vitória, se nossos pecados a desmerecem. Muitas prendas temos de Deus para esperar um grande successo, mas muito mais causas temos em nós para temer um grande castigo.
Confiamo-nos em que a nossa restauração é obra de Deus, e que Deus que o fez, o há de conservar, e eu assim o creio e o espero; mas Deus é o mesmo agora que foi desde o princípio do mundo; quisera que me respondera Adão no paraíso, e porque foi desobediente, o lançou dele em três horas. Também Deus tinha libertado o povo do cativeiro do Egito, e porque lhe foi ingrato, o sepultou todo em um deserto. Pois se Deus é este, e nós não somos melhores, que vã confiança é a nossa? Nós não nos mudamos, e queremos que se mude Deus? Cuidamos que há de dispensar Deus conosco e por nós, há de mudar as leis de sua providência? Dizei-me, (que o não quero perguntar a outrem) qual foi a razão da parte de Deus, e qual a causa da parte nossa, porque nos tirou o mesmo Deus o Rei e a liberdade, e nos teve cativos 60 anos. Todos dizemos e confessamos que pelos pecados de Portugal. Pois se Portugal se tem emendado tão pouco, como vemos; se os pecados são hoje os mesmos, e pode ser que maiores que d'antes, como queremos que nos favoreça hoje Deus pelas mesmas culpas porque ontem nos castigava? Cuidemos que a justiça divina não tem mais que um castigo? Sete vezes libertou Deus o povo de Israel no tempo dos juízes, e sete vezes o tornou a cativar; porque sete vezes reincidiram em seus pecados. Ah, Portugal, que não temo de