de Portugal estão contra eles os pecados de Castela. A razão e paridade é muito boa, porque a justiça divina é muito igual; mas contudo não me consola. Se da parte de Castela, como da parte de Portugal, há pecados; também da parte de Portugal, como da parte de Castela, haverá castigos. Antigamente estavam unidos os reinos de Israel e de Juda, debaixo do mesmo rei, como nós o estávamos; dividiu-se do reino de Juda o de Israel, como nós tambem fizemos, seguindo as partes de Roboão. E que se seguiu daí? Seguiu-se que um e outro começaram a ter guerras entre si, e como em ambos os reinos havia pecados, castigava-os Deus a ambos, não com exércitos estrangeiros, senão a um com o outro. A Juda castigava-o com Israel; e a Israel castigava-o com Juda. Isto é o que eu receio, que como em Castela e Portugal há pecados, queira Deus castigar a Castela com Portugal, e a Portugal com Castela. E nós estamos tão confiados, que não sendo o que era Judith esperamos de Deus o que ela pedia. Notai. Judith para si e para os seus pedia misericórdia: de tua misericordia praesumentem; e para os inimigos pedia ira: cadat virtus eorum in iracundia tua; e a sua petição era muito justa, porque os inimigos eram grandes pecadores, e os de Betúlia estavam muito arrependidos. Porém que Portugal tendo tantos pecados como Castela, para Castela peça a ira, e para si a misericórdia, é querer que Deus seja injusto. Se Deus está castigando pecados em Castela, queremos que premie pecados em Portugal? Se ambos temos pecados, ambos teremos castigos. E acrescento eu que mais deve temer Portugal dos seus pecados, do que Castela dos seus. E por quê? Porque os pecados de Castela são pecados de gente castigada, e os pecados de Portugal de gente desagradecida. E estes provocam muito mais a ira divina. Tantas gratidões sobre tantos benefícios! Tantos esquecimentos de Deus sobre tantas mercês de Deus!