Ouvimos as Adivinhas do Rei ainda uma vez no candomblé da Cruz do Come, numa noite que se seguiu à festa de Oxun-Maré, no Tanque da Conceição, na capital baiana.
As mães de santo, dizendo-se possuídas por Oxuns, deusa das águas, só poderão contar esta e outras peças aos "doutores", num canto escuro, se os "santos" permitirem, por serem "coisa de malê, nego cheio de fidunça, qui fala cuma qui n'é pritume".
Sendo essa a linguagem, pode-se avaliar o quanto foi estropiado e quanto poderia ter perdido em beleza o conto na boca da mulher falando por Oxun.
O acalô de ofício, assistente obrigatório, fingia-se, como de hábito em tais ocasiões, o tipo mais idiota e mais aparvalhado do mundo. Sempre atento, ora cerrava as pálpebras, ora arregalava os olhos, vezes batia com a cabeça, outras estirava o pescoço, até que, bem sossegado, a mãe de santo, interrompendo alguns instantes a narrativa, advertia:
- Cê tá ouvino, n'é, faladêro? Vai pur êi batê sulapa, língua di mulanbo, i adispois nã t'aqueixa da surra qui tú toma sem sabê pruquê.
— Tá fingino qui é mongo, n'é? Ah, bôio. Vai conta coisa di Malê aos outo qui tu fica qui nem edê sôrto pra Exu.
O acalô, assim proibido, "esquece-se"... E não há forças que o façam repetir uma dessas "coisas de Malê": — será infeliz para o resto da vida.
A intenção dos Haussás foi nacionalizar, isto é, tornar brasileiros, pela boca de seus descendentes, os contos afronegros. E isso é o que de mais importante se apresenta no Folclore baiano.