Os pecados e maldades que não ocultais são a razão do castigo; pois se dais a razão, por que a pedis? Porque ainda que Deus para castigar os pecados tem a razão de sua justiça, para os perdoar e desistir do castigo, tem outra razão maior que é da sua glória: Qui enim misereri consuevit, et non vulgarem in eo gloriam habet; ob quam causam mei non miseretur? Pede razão Job a Deus, e tem muita razão de a pedir, (responde por ele o mesmo santo que o arguiu) porque se é condição de Deus usar de misericórdia, e é grande e não vulgar a glória que adquire em perdoar pecados, que razão tem, ou pode dar bastante de os não perdoar? O mesmo Job tinha já declarado a força deste seu argumento nas palavras antecedentes com energia para Deus muito forte: Peccavi, quid faciam tibi? (Ibid. — 20). Como se dissera, se eu fiz, Senhor, como homem em pecar, que razão tendes vós para não fazer como Deus em me perdoar? Ainda disse, e quis dizer mais: Peccavi, quid faciam tibi? Pequei que mais vos posso fazer? E que fizestes vós, Job, a Deus em pecar? Não lhe fiz pouco porque lhe dei ocasião a me perdoar, e perdoando-me, ganhar muita glória. Eu dever-lhe-ei a ele, como a causa, a graça que me fizer; e ele dever-me-á a mim, como a ocasião, a glória que alcançar.
E se é assim, Senhor, sem licença, nem encarecimento; se é assim misericordioso Deus, que em perdoar pecados se aumenta a vossa glória, que é o fim de todas vossas ações; não digais que nos não perdoais, porque são muitos e grandes os nossos pecados, que antes porque são muitos e grandes, deveis dar essa grande glória à grandeza e multidão de vossas misericórdias. Perdoando-nos, e tendo piedade de nós, é que haveis de ostentar a soberania de vossa majestade, e não castigando-nos, em que mais se abate vosso poder do que se acredita. Vede-o neste último castigo, em que, contra