Por Brasil e Portugal

pelo mundo erradamente. O maior escândalo que tenho contra a natureza é um que cada hora experimentamos na artilharia. Porque razão há de fazer tanto estrondo uma peça que perdeu o pelouro, como outra que empregou o tiro? Há maior injustiça, há maior deformidade da natureza? A peça que acertou, soe muito embora, atroe o mundo, estremeça a terra com seu estampido; mas a peça que errou, a peça que não fez nada, a peça que não fez mais que empobrecer os armazéns d'el-rei sem proveito, por que há de soar, por que há de ser ouvida? Ainda tenho advertido mais nesta matéria. Quando aqui estivemos sitiados no ano de 1638,(114)Nota do Autor tirava o inimigo muitas balas ao baluarte de Santo Antonio os pelouros que acertavam, ficavam enterrados na trincheira, os que erravam, voavam por cima, vinham rompendo os ares com grande ruído, e os que andavam por estas ruas, aqui se abaixava um, acolá se abaixava outro, e muita gente lhes fazia cortesias demasiadas.(115)Nota do Autor De sorte que o pelouro que errou, esse fazia os estrondos, a esse se faziam as reverências; e o outro que acertou, o outro que fez sua obrigação, esse ficava enterrado. Ah, quantos exemplos destes se acharam na guerra do Brasil! Quantos foram mais venturosos com seus erros, que outros com seus acertos? Algum que sempre errou, que nunca fez coisa boa, nomeado, aplaudido, premiado; e o que acertou, o que trabalhou, o que subiu à trincheira, o que derramou o sangue, enterrado, esquecido, posto a um canto.(116)Nota do Autor