que escândalo do universo, se crescendo caudalosos os rios, e fazendo-se alguns navegáveis com a liberalidade do mar, represaram avarentos suas águas, e lhe negaram o devido tributo? Tal seria, se a nobreza faltasse à Coroa com o ouro que dela recebe. E é muito de advertir aqui uma lição que a terra nos dá, se já não for repreensão, com seu exemplo. A água que recebe a terra é salgada; a que torna ao mar é doce. O que recebe em ondas amargosas, restitui em doces tributos. Assim havia de ser, senhores, mas não sei se acontece pelo contrário. A todos é coisa muito doce o receber; mas tanto que se fala em dar, grandes amarguras! Pois consideremos a razão, e parecer-nos-á imitavel o exemplo. A razão porque as águas amargosas do mar se convertem em tributos doces é porque a terra, por onde passam, recebe o sal em si. Vos estis sol terrae; portugueses, estranhe-se na terra o sal; entenda-se que o que se dá é o sal e conservação da terra; e logo serão os tributos doces, ainda que pareçam amargosas as águas.
A segunda razão porque a Nobreza de Portugal deve servir com sua fazenda a el-rei nosso senhor, que Deus guarde, mais que nenhuma outra Nobreza a outro rei, é porque ela o fez. Já que a fidalguia de Portugal saiu com a glória de levantar o rei, não deve querer que a levem outrem de o conservar e sustentar no reino. Fazer e não conservar é insuficiência de causas segundas inferiores; os efeitos das causas primeiras dependem delas in fieri et conservari. É verdade que muitas vezes tem maiores dificuldades o conservar, que o fazer; mas quem se gloria da feitura, não deve recusar o peso da conservação. Pecou Adão, decretou o Eterno Padre, que não havia de aceitar menor satisfação que o sangue de seu Unigênito Filho. Notificou-se este decreto ao Verbo (digamo-lo assim), e que vos parece que responderia?