eu logo, que em Lisboa não há três Estados, senão dois — Eclesiástico e Nobreza. E se quisermos dizer que há três, não são Eclesiástico, Nobreza e Povo, senão Eclesiástico, Nobreza e Príncipes. E a príncipes quem os há de exortar em matéria de liberalidade?
Só digo por conclusão, e em nome da pátria o encareço muito a todos, que ninguém repare em dar com generoso ânimo tudo o que se pedir (que não será mais do necessário) ainda que para isso se desfaça a fazenda, a casa, o estado, e as mesmas pessoas; porque se pelo outro caminho deixarem de ser o que são, por este tornarão a ser o que eram: Vos estis sal terrae. A água deixando de ser água, faz-se sal, e o sal desfazendo-se do que é, torna a ser água. Neste círculo perfeito consiste a nossa conservação e restauração. Deixem todos de ser o que eram, para se fazerem o que devem; desfaçam-se todos como devem, tornarão a ser o que eram. Este é em suma o espírito das nossas quatro palavras: Vos, estis, sal, terrae.
IX
Temos acabado o sermão. E Santo Antonio? Parece que nos esquecemos dele; mas nunca falamos de outra coisa. Tudo o que dissemos neste discurso foram louvores de Santo Antonio, posto que desconhecidos, por irem com o nome mudado. Chamamos-lhe propriedades do sal, e eram virtudes do Santo. E senão, arribemos brevemente sobre elas, e vamo-las discorrendo. Se a primeira propriedade do sal é preservar da corrupção, que espírito apostólico houve que mais trabalhasse por conservar incorrupta a fé católica com a verdade de sua doutrina, com a pureza de seus escritos, com a eficácia de seus