Mas os tempos mudaram. Hoje os botocudos matam para se defender. A caça e a guerra dão-lhes amplamente os meios de subsistência. É unicamente como desculpa às atrocidades cometidas para com as nossas tribos que os brancos os acusam de devorar seus inimigos. É permitido destruir as onças e os guarás; mas os canibais não serão mais perigosos ainda que os animais selvagens? É em favor desta covarde calúnia que a civilização faz, por humanidade, a caça ao homem e despovoa o sertão, rematou ele com mordaz ironia.
Depois desta declaração, um peso enorme caiu do meu peito e os meus pulmões, contraídos, dilataram-se.
O pajé procuraria dissimular o verdadeiro estado de coisas, ou a sua indignação era sincera, quando livrava as tribos da terrível acusação de que eram vítimas?
A fisionomia disforme de tio Barrigudo harmonizava-se então, é verdade, com as suas primeiras palavras, com os vibrantes protestos que acabava de formular. Mas, por outro lado, a raiva que ele nutria contra a civilização, e que mostrava sem rebuços, fazia-me acreditar na sua franqueza.
Um caráter dessa têmpera não se poderia rebaixar até a mentira. Afrontando o vencedor, não procuraria apiedá-lo.
Assim fazem os guerreiros em meio aos suplícios e em presença das hordas que lhes rasgam as carnes.