Percorremos já vida autônoma bastante longa, para compreender que os faits divers da política; os abusos do governador deste Estado, as violências daquele ministro, os escândalos de tal ou qual administração, nem são causas, nem sequer mesmo fatores, da anarquia, nas causas públicas — mas consequências do fato, capital e mais profundo, da desorganização. A organização prevenirá tudo isto, ao passo que as reações críticas e judiciais, trazendo por programa a regeneração moral da vida pública, não têm outro efeito senão criar situações de terror — transformados os \"incorruptíveis\" da aurora revolucionária em guilhotinadores do seu meio-dia. O problema da moral pública não chega a ser um problema de aspecto orgânico; e a moralidade, fructo necessário de toda obra realmente organizadora, não se realiza jamais ao influxo da \"preocupação moralista\".
A Moral é uma inspiração e uma aspiração: não é o meio, nem o fim, da ação, nem tão-pouco uma solução. Como inspiração — ponto de partida da atividade mental - ela entra na elaboração das ideias, para transformar-se em atos; como ideal, orienta o pensamento, determinando a direção da ação. É a concepção resumida por Augusto Comte, nesta bela sentença: \"Agir par afection et penser pour agir\".
Nos problemas humanos e sociais, a que se reduzem, afinal, todos os problemas da vida, a Moral é o gérmen da atividade. Mas a Moral destina-se a ser realizada: não se destina a ser imposta; a converter-se em solução, assimilada no conjunto dos fins, dos meios e das condições da vida: